por Barbara Falleiros
Hoje é dia de eleição e a lei proíbe de declarar voto, de tentar pressionar eleitores em favor de um candidato, de fazer propaganda política. Mas não proíbe de relembrar a história e de refletir um pouco sobre o funcionamento das coisas...
No início de 2012 comemorou-se os 80 anos da oficialização do sufrágio feminino no Brasil: em 24 de fevereiro de 1932, o presidente Getúlio Vargas assinava o decreto nº 21.076, instituindo o Código Eleitoral Brasileiro, em que constava, no Art. 2º: "É eleitor o cidadão maior de 21 anos, sem distinção de sexo, alistado na forma deste Código", embora o Art. 121 ainda isentasse as mulheres da obrigação do voto. Além disso, só podiam votar as mulheres solteiras e viúvas que possuíssem renda própria e as casadas que tivessem a autorização do marido (estas restrições foram removidas em 1934; quanto à obrigatoriedade do voto feminino, esta veio somente em 1946, aplicada apenas às mulheres que exerciam uma atividade remunerada).
Bertha Lutz: grande nome da luta em prol do voto feminino |
Alzira Soriano: primeira prefeita mulher na América Latina |
Atualmente, temos uma mulher na presidência da República, e ainda, uma mulher que foi torturada e perseguida durante o período mais sombrio da nossa história recente. Parece-nos que um longo caminho histórico foi percorrido. Mas é o suficiente? Por que é importante termos mulheres participando ativamente da vida política?
Ora, estatisticamente, as mulheres são a maioria no país: ligeiramente a maioria da população brasileira (e da população economicamente ativa), possuem um grau de escolaridade mais elevado e uma esperança de vida maior. No entanto, nas eleições municipais de 2008, foram eleitas apenas 504 mulheres, o que representa 9,7% do total de prefeit@s. E a porcentagem de vereadoras mulheres foi de 12,5%.
A Roberta postou ontem na página Facebook das Subvertidas o link para o Guia Feminista para as Eleições 2012, muito elucidativo, do qual cito trechos abaixo:
As mulheres representam hoje mais da metade da população do brasil (51,03%) e também mais da metade do eleitorado brasileiro (51,9%). São responsáveis por grande parte da riqueza produzida no país e realizam quase todo trabalho doméstico e as tarefas de cuidado, fundamentais para que as pessoas possam viver bem, sentirem-se protegidas, respeitadas e acolhidas no cotidiano da vida. No entanto, nos espaços públicos, onde são decididos os rumos do país, onde são elaboradas e aprovadas as leis, onde são planejadas e implementadas políticas públicas e definidos os projetos de desenvolvimento, as mulheres são minoria. Não porque não queiram estar ali, mas porque são excluídas desses espaços, uma vez que não são eleitas.
Mudar este quadro e eleger mulheres é, sobretudo, uma questão democrática, de justiça de gênero, de justiça distributiva do poder. Se as mulheres constroem a sociedade, produzem riqueza, cuidam das pessoas, cuidam do meio ambiente, educam, cuidam da saúde, é necessário que o poder de gerir o Estado, que gerencia a vida em sociedade, seja dividido igualitariamente entre mulheres e homens.
A União Interparlamentar publicou um índice atualizado no final do mês passado referente à participação das mulheres em 190 parlamentos nacionais. E sabe qual país tem o maior índice de mulheres no parlamento? A Ruanda, que se reconstrói após o genocídio. Logo atrás dela estão, entre outros, Cuba, Senegal, Finlândia, Islândia, Noruega. O Brasil só aparece bem lá embaixo, no número 119, perdendo para uma série de países cujos nomes evocam a miséria, a violência dos conflitos e/ou a restrição cultural da liberdade feminina, como Afeganistão, Serra Leoa, Libéria, Emirados Árabes, Paquistão...
Em termos de participação feminina na política, dá pra ver que estamos mal. Por isso que a lei de cotas, em vigor nas eleições de hoje, é interessante, obrigando os partidos a apresentarem 30% de candidaturas femininas. Como afirmam no Guia citado acima, "votar em mulher pode ser visto como uma ação afirmativa visando fortalecer a participação das mulheres na política formal".
Aí vem o babaca e fala: "Ué, mas vocês aí não querem a igualdade, pra que então ter cotas? Só por que é mulher? Isso é discriminação!", e se for um babaca daqueles que se acha sagaz, "Vocês não falam que existem mais de dois sexos? Como é que tem que ter porcentagem de homem e mulher? E o travesti, não conta? E se o Laerte quiser se candidatar?"
É aquela velha história: Você não está sendo oprimido quando outro grupo ganha direitos que você sempre teve. A realidade e os índices mostram que não há distribuição igualitária do poder e que este desequilíbrio tem como base diferenças de gênero. Mas, claro, não basta votar em mulher só porque é mulher. O negócio é votar em pessoas que não sejam corruptas, desonestas, fundamentalistas, machistas, preconceituosas, elitistas... Diz-se por aí que estes espécimes estão em extinção: por isso mesmo, preocupemo-nos em criar condições para que cresçam e se reproduzam!
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