por Barbara Falleiros
"Sei que não vou ficar nessa posição de organizadora do Femen para sempre. Eu quero ter meu marido, minha família, minha carreira..."
É assim que Sara Winter responde à pergunta de Marília Gabriela sobre como imagina seu futuro: deixando o ativismo direto para cumprir um papel convencional no núcleo familiar. É bem verdade que ela espera continuar trabalhando nos bastidores da organização. Ou então, gostaria de ser correspondente em áreas de conflito, já que "gosta de tiros, essas coisas"! ...E você, o que gostaria de ser quando crescer?
Nascido na Ucrânia, o grupo Femen tem conseguido grande destaque na mídia por conta de suas ações diretas, nas quais as integrantes manifestam com os seios à mostra, usando coroas de flores na cabeça e carregando cartazes com mensagens de protesto. A nudez é reivindicada como forma de provocação e como afirmação do controle sobre o próprio corpo, mas também como estratégia para que as ativistas sejam ouvidas - ou, ao menos, vistas...
E porque loira pelada de fato dá ibope, eis que Sara Winter, primeira integrante e porta-voz do recém-fundado Femen Brazil, passa a aparecer aqui e ali na televisão, no jornal, dando entrevistas. E a gente vê, com aquela dor no coração, que as "neofeministas" saíram no Fantástico e na Veja. Dor no coração porque é difícil enxergar a mensagem, o discurso da representante brasileira é raso, confuso, imaturo. E, num caso como este, a falta de clareza é uma porta aberta a deturpações de todo tipo.
Então o pessoal, que já vai ficando desconfiado, começa a cavar na internet o passado da tal Sara Winter. À cruz de ferro que ela tem tatuada no peito - junto à qual está o desenho de uma cereja, "para deixar mais feminino", segundo ela - soma-se o seu envolvimento com grupos e bandas skinheads, o seu pseudônimo que coincide com o nome de uma nazista inglesa, sua antiga admiração por Plínio Salgado, suas críticas à nudez das meninas da Marcha das Vadias... A interessada ora desmente, ora joga a carta do "erro de juventude", "as pessoas têm o direito de mudar de opinião". Claro que sim! Mas então é preciso ser capaz de elaborar e adotar um posicionamento ideológico coerente.
Os que já têm uma preferência pelas teorias da conspiração passam a desconfiar do movimento como um todo, da suposta xenofobia das ucranianas e de seu anti-islamismo exacerbado. Não sei ainda o que dizer sobre isso. De início, não consegui ver Sara como uma neonazista sagaz disfarçada de neofeminista para distorcer as reinvidicações históricas. Para mim, ela estava mais para uma garota perdida, deslumbrada com a causa da vez. Só não podemos esquecer que os perdidos também são potencialmente perigosos.
O processo de recrutamento do Femen Brazil é, diga-se de passagem, muito duvidoso. Grupo hierarquizado, liderança, processo seletivo com foto de topless e ritual de iniciação. O fato de Sara referir-se às integrantes como soldados ("Nós somos soldados, lutadoras" - na entrevista à Marília Gabriela) é um indício ainda maior do tipo de ideologia que parece orientar sua luta. Depois das críticas por ter qualificado o movimento de apolítico, o que é uma contradição em termos, o Femen Brazil passou a definir-se como apartidário. Mas as imprecisões permanecem, na página Facebook do grupo, onde lemos: “O Femen Brazil busca combater formas de tratamento desigual independente do sistema ou posicionamento político envolvido”.
Marília Gabriela e a pele de pêssego de Sara Winter |
Concordo com a Lola, de pouco adianta crucificar uma jovem de 20 anos. Mas o fato é que as inconsistências são flagrantes e que, mesmo se formos muito condescendentes, é no mínimo um profundo desrespeito aos combates feministas cavar um espaço na mídia sem ter grande coisa a dizer, ou pior, pra dizer bobagem. Está certo que este tipo de mídia consegue por si mesma estragar qualquer discussão – e é este seu objetivo. Você escuta a Marília Gabriela dizer que Sara não fez feio na Ucrânia porque também é linda e que tem uma pele ótima, e a primeira reação é procurar uma janela por onde se jogar. E quando Sara elogia a genética ucraniana que faz homens e mulheres “tão lindos que dá até raiva”, você se diz que, meu deus, no fim das contas a ideologia ariana está bem ali.
No final da entrevista, Gabi faz aquele jogo rápido, em que se deve responder com a primeira palavra que vem à cabeça:
No final da entrevista, Gabi faz aquele jogo rápido, em que se deve responder com a primeira palavra que vem à cabeça:
Corpo de mulher? Sara responde: “Beleza”Corpo de homem? Ela diz, depois de hesitar: “Força”
A persistência dos estereóripos sexistas: forte como o papai, bonita como a mamãe! |
Preciso dizer mais?
Uma última observação apenas. Se enfatizei aqui os deslizes da representante brasileira do movimento, as contradições parecem manifestar-se também do lado ucraniano. A revista Veja publicou uma entrevista com a ativista Inna Shevchenko. É claro que nunca saberemos o que Inna disse de fato, mas o que se lê nas entrelinhas das respostas publicadas é um discurso em conformidade com a ideologia que deveria combater.
«Sempre dizem que o movimento é apenas para mulheres jovens, bonitas e loiras. Como se nenhuma outra garota pudesse participar. Isso é uma visão errada, porque cada mulher que faz topless por algo em que acredita fica bonita »
O que me causa estranhamento nesta resposta é o fato de assumir-se que a legitimidade feminina deva passar pela beleza: através do seu engajamento, até as feias ficam bonitas. O comentário diz respeito à beleza física. Mas porque diabos é necessário que a mulher fique, de uma forma ou de outra, bonita? Por que a beleza é um critério definidor?
Suponhamos que Inna não quisesse dizer isso e que o jornalista da Veja tenha feito uma edição tendenciosa, ou que minha leitura seja equivocada. Mas aí você entra na lojinha virtual do movimento e descobre que elas vendem por 70 dólares quadros carimbados com os seios – seios que procuram “dessexualizar” – e que você pode pedir sua obra “autografada”. Como assim?
"You can order a personal stamp breast activist with an autograph" |
Achei estranho. Alguém me explica?
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