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por Thais Torres


Reinaldo Arenas é um escritor cubano que Caio Fernando Abreu, autor que estudo no doutorado, profundamente admirava. Uma descoberta fascinante e uma das melhores que fiz ao longo do tempo em que estudo os contos do escritor brasileiro. O curioso é que Arenas e Abreu são escritores diferentes, mas há muitos pontos de contato entre a vida e a obra de ambos: os dois foram - em menor ou maior medida -  perseguidos por conta de suas posições políticas e de sua vida sexual. Viveram um período no exílio, algo que influenciou profundamente suas obras. Além disso, assumiram sua homossexualidade e defenderam abertamente a liberdade erótica dos sujeitos. E fizeram isso em contextos autoritários em que a mera possibilidade de liberdade de pensamento é um crime dos mais terríveis.



Em sua auto-biografia, Antes que anoiteça, Arenas relata sua infância pobre no interior de Cuba, o breve período em que lutou no exércíto de Fidel Castro, sua juventude sexualmente livre passada à beira do mar do Caribe e a longa perseguição que sofreu por parte da ditadura castrista. Foi duramente perseguido por conta de suas posições políticas assumidas com muita coragem em um regime que punia qualquer liberdade erótica ou intelectual com a maior severidade. 

O livro é maravilhoso, extremamente bem escrito e de uma honestidade muito incomum. Trata-se daquele tipo de leitura que entretém e incomoda. Se, de um lado, a habilidade de escrita do autor torna a leitura um prazer, os assuntos abordados no livro são tão tristes e revoltantes que o prazer se transforma em dor e indignação. Já não sabemos mais o que sentimos com a leitura.

Um pequeno trecho em que Arenas descreve o período em que ele passou na prisão de El Morro:

 (...) aquela galeria número sete onde me confinaram; não era exatamente o lugar dos homossexuais, e sim dos presos que cometeram os mais diversos crimes. Os homossexuais ocupavam as piores galeiras de El Morro: as galerias subterrâneas que ficavam inundadas quando a maré subia; um lugar asfixiante e sem banheiro. Os homossexuais não eram tratados como seres humanos e sim como animais. Eram sempre os últimos a comer e por causa de uma besteira qualquer apanhavam cruelmente.

De minha parte, posso dizer que faço como a Clarice Lispector-menina em Felicidade Clandestina. Aquela personagem que, após um longo e humilhante processo, consegue ter em mãos o livro que tanto deseja, mas que adia o fim da leitura, criando "as mais falsas dificuldades para essa coisa clandestina que era a felicidade". 

Para além das minhas leituras, fico pensando na profundidade dessa sentença da Clarice. A felicidade é mesmo algo muito clandestino e proibido, sobretudo em contextos autorítários. E fica a pergunta: por que as ditaduras têm tanto medo da plenitude sexual?



Seguem alguns trechos do livro. Escolhi alguns que falam exatamente de maneira muito sensata sobre o risco que a felicidade e a liberdade erótica trazem. 



(...) o fato é que o prazer sexual se paga quase sempre muito caro; mais cedo ou mais tarde, por cada minuto de prazer que vivemos, passamos depois anos de sofrimento; não se tratava da vingança de Deus, é a vingança do Diabo, inimigo de tudo o que é belo. O belo, porém, sempre foi perigoso. Martí dizia que aquele que traz a luz permanece sozinho; eu diria que aquele que pratica certa beleza é, mais cedo ou mais tarde, completamente destruído. A humanidade não tolera a beleza, talvez porque não possa viver sem ela; o horror da feíúra avança cada dia a passos acelerados.




Uma das características mais lamentáveis da tirania é que levam tudo a sério e fazem desaparecer o senso de humor. Historicamente, os cubanos sempre fugiram da realidade através da sátira e da zombaria, mas com o advento de Fidel Castro o senso de humor foi desaparecendo até ser totalmente proibido; assim, o povo cubano perdeu uma de suas poucas possibilidades de sobrevivência; ao lhe tirarem o riso, tiraram-lhe também o mais profundo sentido das coisas. Sim, as ditaduras são pudicas, metidas a importantes e absolutamente enfadonhas.


Há um filme absolutamente imperdível que conta a história de Reinaldo Arenas. Quem faz o papel do escritor é ninguém menos do que o maravilhoso e brilhante Javier Barden. O filme tem a participação especial de Johnny Deep, no papel de um homossexual preso na cadeia de El Morro e que ajuda Arenas a levar seus manuscritos para fora do país. É uma livre adaptação da auto-biografia que recomendo aqui, mas um filme tão bacana e sensível quanto o livro.

O filme está no youtube, de graça!


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