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Por Thaís Bueno

Você já parou para pensar em como certos discursos religiosos têm atacado, ao longo dos séculos, não apenas a integridade e a dignidade feminina, mas muitas vezes a própria integridade física da mulher? E, pelo fato de discursos religiosos estarem de certa forma entranhados em quase tudo que fazemos e pensamos (acredito que é impossível escaparmos a tudo o que tange à cultura em que estamos imersos), esses discursos nos afetam mais do que imaginamos. 



E não me refiro aqui a um determinado tipo de violência contra a mulher ou a uma religião específica: há, no mundo todo, uma infinidade de modalidades religiosas que têm como base de suas práticas um certo temor a tudo que se relaciona à natureza feminina (desde os extremismos praticados por religiões islâmicas de países da África subsaariana até os discursos proferidos por religiosos que estão bem perto de nós). E, obviamente, o grau e o tipo de opressão praticada às mulheres também varia bastante. 

Esses fatos são muito bem explicados pela historiadora Anna Gicelle Garcia Alaniz em alguns dos videocasts que ela publica em seu canal no Youtube, o Cantinho da História. Entre outros assuntos, como o advento do nazismo e diferentes concepções de história, Anna se dedica, em dois vídeos, a discutir questões relacionadas ao feminismo: em um deles, ela fala sobre o Dia Internacional da Mulher e, em outro, sobre a opressão feminina operada pelos discursos religiosos. Tratadas a partir do interessante ponto de vista de uma historiadora e baseadas em uma rica e profunda análise desses temas, essas discussões podem nos ajudar muito a entender e ser mais críticos e sensíveis a essas questões. 



Tendo em mente as ideias que Anna traz, principalmente no vídeo relacionado à opressão feminina pelos discursos religiosos, é interessante pensarmos em certos fatos que, apesar de nos parecerem irrelevantes e naturais, são decorrentes de pura construção ideológica. Por exemplo, as palavras e o discurso de um religioso ao realizar um casamento; a forma como o aborto é tratado pelas diferentes religiões; a autoridade conferida às mulheres em certas igrejas; a forma como a natureza do corpo feminino é tratada em determinadas culturas; a constituição familiar; a forma como as religiões instituíram um lugar para mulheres entre suas santas e intercessoras, e como esse lugar lhes é concedido. 


Especificamente nesse último quesito, achei muito interessante um trecho do livro Borderlands/La Frontera – The New Mestiza, em que Glória Anzaldúa conta a história da formação de três figuras míticas mexicanas (a Virgem de Guadalupe, padroeira do México; Malinche, mulher indígena que ficou marcada como traidora na construção do imaginário nacional mexicano; e la Llorona, a mais famosa lenda mexicana, construída a partir do mito da mãe que perde seus filhos e com isso passa a vagar eternamente assombrando crianças "malcriadas"). Essas três figuras mexicanas podem ser um exemplo interessante de como a imagem da mulher (proveniente de diversos domínios da cultura – do imaginário indígena, de mitos e lendas populares ou da própria religião católica) é utilizada pelo discurso religioso como ferramenta ideológica para manipulação e manutenção do poder político e social: 

La gente Chicana tiene tres madres. Todas as três são intercessoras: Guadalupe, a mãe virgem que não nos abandonou, la Chingada (Malinche), a mãe violentada a quem nós abandonamos, e la Llorona, a mãe que procura pelos filhos perdidos e é uma combinação das duas primeiras. A ambiguidade cerca os símbolos dessas três "Nossas Senhoras". Guadalupe foi usada pela igreja para confirmar nossa opressão institucionalizada: para aplacar índios, mexicanos e chicanos. Em parte, a verdadeira identidade de todas as três foi subvertida – a de Guadalupe, para nos tornar dóceis e pacientes; a de la Chingada, para fazer com que nos envergonhemos de nossos ancestrais indígenas; e, de la Llorona, para nos tornar um povo eternamente sofredor. Essa subversão ajudou a fortalecer a dicotomia virgen/puta.


Se você quiser saber mais sobre o mito de la Llorona e de como os discursos religiosos podem influenciar na forma como a mulher é vista e tratada em nossa cultura, sugiro a leitura de “La Llorona: mito e poder no México”, de Rosa Maria Spinoso de Montandon. Disponível aqui.

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