por Roberta Gregoli
1. "Ser a favor do aborto é ser contra a vida" ou "Aborto é assassinato"
Este é, na minha opinião, o argumento mais sedutor contra a legalização do aborto, e também o mais moralizante. Primeiramente, o conceito de vida deve ser tratado com muito mais complexidade do que normalmente vemos por aí. Um feto sem cérebro, que não tem chance nenhuma de sobreviver, é vida? Um óvulo fecundado é vida?
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgA9-Vf0E2iwrKW61SDvDf55eguCgcAEP2zdmG6UX-pJLCzx-50biJv_j-i5i5D7Zbv-LcZv1aEpyAfCJUdkdjsJzUk0YkJfyUs6Wlp_v5-x8CWs-UeEwZABgJ-RXcoMaBUb26giyrIwM5S/s400/150121_364522113632225_345613505_n.jpg)
Se não há definição em relação ao conceito de vida, a questão é somente moral e religiosa e daí, num Estado laico, cabe a cada um fazer a sua escolha. Moral e crença religiosa não se impõem com leis.
O ponto central é que um embrião não é uma pessoa dotada de direitos e interesses - ao contrário da mulher. E então uma pergunta merece consideração: a "vida" de um embrião tem mais valor do que a vida de uma mulher? Porque o aborto inseguro é a terceira maior causa de óbitos maternos no Brasil.
Podemos, então, inverter completamente o argumento e dizer que a criminalização do aborto que é, na verdade, contra a vida - a vida de milhões de mulheres que fazem abortos inseguros. "Assassinato sancionado pelo Estado", como muitos gostam de apelar em relação à descriminalização do aborto.
Podemos, então, inverter completamente o argumento e dizer que a criminalização do aborto que é, na verdade, contra a vida - a vida de milhões de mulheres que fazem abortos inseguros. "Assassinato sancionado pelo Estado", como muitos gostam de apelar em relação à descriminalização do aborto.
2. "Se legalizar, todo mundo vai sair por aí abortando"
Em outras palavras, o número de abortos aumentaria, certo? Errado. É comprovado que nos países onde o aborto é legalizado, o número de abortos é muito menor do que nos países onde é criminalizado.
A taxa na América Latina, onde as leis são altamente restritivas, é de 32 abortos a cada 1.000 mulheres em idade fértil contra somente 12 em 1.000 na Europa Ocidental, onde o aborto é amplamente legalizado (veja o primeiro item da seção 'Abortion Law' aqui).
3. "A legalização do aborto encoraja uma postura sexual menos responsável" ou "Se legalizar, ninguém mais vai 'se cuidar'"
De certa maneira, a resposta ao mito 2 responde a este também, mas é preciso deixar claro: educação sexual e aborto são temas distintos. As feministas lutam pela descriminalização do aborto E por melhor educação sexual.
Acho que não é preciso lembrar que, quem não usa preservativo corre risco de pegar uma infinidade de doenças sexualmente transmissíveis, inclusive a AIDS. E ninguém sai por aí dizendo que a cura da AIDS encorajaria uma postura sexual menos responsável. Ou diz?
4. "Hoje só engravida quem quer"
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Num país de mais ou menos 98 milhões de mulheres, isso representa de 980 mil a quase 3 milhões mulheres. É certo prender essas mulheres por abortarem?
Além disso, garantir a eficácia da pílula anticoncepcional não é tão simples assim. Muita gente não sabe, mas diversos medicamentos cortam o efeito da pílula. E se você esquecer de tomar a pílula um único dia e tiver tido relações sexuais na semana anterior, pode engravidar.
É justo condenar mulheres que engravidaram sob esta circunstância por optarem pelo aborto? Quem nunca esqueceu de tomar antibiótico um dia na vida que atire a primeira pedra.
5. "E se o bebê que você abortou tivesse encontrado a cura do câncer"
A Lola trata desse mito de maneira brilhante e eu complemento: E se a mulher que morreu em decorrência de abortamento inseguro tivesse encontrado a cura do câncer?
O ponto central deste mito é que é muito fácil idealizar a vida em potencial. Isso decorre, a meu ver, da ideia católica da "santidade da vida". Quando se pensa num bebê, se pensa num anjinho inocente e indefeso. Não que esse bebê é responsabilidade de pais que podem não estar preparados para criá-lo e que um dia, talvez até independente dos pais que teve, possa se tornar um bandido, um estuprador, um líder neonazista, um masculinista...
Da mesma forma, para muitos é fácil condenar a mulher que aborta e imaginá-la como um monstro. Mas os dados mostram que essa mulher pode, na verdade, ser sua tia, sua irmã, sua mãe.
Conclusão
O que todos esses mitos têm em comum é a culpabilização das mulheres e a isenção dos homens de qualquer responsabilidade sobre a reprodução e mesmo sobre o aborto em si.
A discussão sobre a legalização do aborto tem que ser problematizada numa profundidade e sutileza muito maior do que a persistência de mitos tão primários expõe, e a velha mídia brasileira, que todos sabem ser retrógrada e conservadora, não tem interesse nenhum em promover debates mais complexos sobre o tema. Ainda bem que temos as mídias alternativas e grupos feministas ativos, como os citados neste post e muitos outros, para trazer uma outra perspectiva para a mesa.
E seguimos tentando para quem sabe um dia chegar a um Estado laico que preze pela escolha, pela saúde e pela vida de suas mulheres.
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