O pároco Geomino Costa tem sotaque de gringo, mas não o é – embora a própria história do missionário de Protásio Alves, cidadezinha no fim da serra gaúcha, seja permeada por migrações. Neto de italianos que desembarcaram no Brasil em 1887, dedicou sua vida à busca de ofertar auxílio, inserção social e pertencimento aos expatriados.
Hoje com 67 anos de idade, Padre Geomino chegou à igreja de São Geraldo, na região Centro-Sul de Manaus, há pouco mais de cinco anos. As imigrações peruana e colombiana lhe trouxeram após temporadas em Curitiba, São Paulo e Rondônia, mas foi a questão haitiana que o fez ficar. Os egressos do país caribenho começaram a bater à sua porta em fevereiro de 2010, mais de quatro anos antes que os ônibus fretados pelo governo do Acre causassem polêmica e acuações de irresponsabilidade e racismo ao levar haitianos para São Paulo entre abril e maio de 2014.
A partir do segundo semestre daquele ano – seis meses depois de um devastador terremoto que matou 300 mil pessoas e deixou 1,5 milhão de desabrigados – o volume se intensificou. As crises americana e europeia empurraram os haitianos para o sul do continente. Alguns tentaram a sorte nas Guianas, outros pararam na Venezuela. Os que chegaram a Manaus receberam ajuda emergencial em forma de comida e teto na paróquia dos missionários de São Carlos.
“Os haitianos que chegaram aqui estavam com uma mão na frente e outra atrás, sem dinheiro, sem conhecer a língua, sem nada. Começamos com um alojamento na paróquia e fomos alugando casas. Chegamos a ter, com a ajuda de outras paróquias católicas, 12 casas em julho de 2011. As dificuldades foram muitas por que, politicamente, nós não tivemos nenhum apoio. Os governos estadual e municipal ainda hoje são contra”.
No início de 2012, em um intervalo de 10 dias, 1.400 refugiados chegaram à Igreja de São Geraldo. As casas anteriores comportavam apenas 400 pessoas, e um novo galpão foi alugado com a ajuda de uma fundação espírita.
Mais tarde, uma parceria com o SENAI capacitou mais de mil haitianos em cursos profissionalizantes. Empresários ligados à congregação levaram duas mil pessoas para o Sul do País com promessas de vencimentos em torno de R$ 800 e garantias de alojamento, comida e pagamento de horas extras. Mas os refugiados continuam chegando.
O Sonho da Copa
Dos oito mil imigrantes do Haiti que passaram por Manaus antes que o Acre se tornasse a principal porta de entrada para eles no Brasil, Padre Geomino estima que 1.700 gostariam de se fixar na capital do Amazonas. Para estes, a Copa do Mundo prestes a acontecer parecia a oportunidade perfeita para inserção no mercado de trabalho. Não foi bem assim. Cerca de 20 trabalharam na construção do estádio e alguns ficaram encarregados das reformas de avenidas e alças de acesso. Outros 20 conseguiram ser chamados para uma tarefa de limpeza – mas o serviço durou apenas um mês.
Joseph Jean Hosner assiste aos jogos da Copa em uma tenda de lanches haitianos na rua da Paróquia de São Geraldo
Praxe nas obras governamentais e nas instalações da FIFA, o hábito de terceirizar projetos também frustrou o sonho de uma Copa do Mundo com mais dinheiro no bolso.
“O problema é que de terceirização para terceirização você não encontra nenhum responsável. Ou o cara diz: “eu não posso te pagar por que o outro não me pagou”. Nós temos um grupo de 22 que trabalharam em uma grande empresa de construção civil, talvez a maior que temos aqui, e nunca ganharam um centavo. O sindicato não resolveu e foi para o Ministério [do Trabalho], que não resolve também e marca uma audiência para daqui quatro ou cinco meses”.
Alguns dos remanescentes permanecem em torno da igreja diariamente, em busca de novas oportunidades. Outros, como o jovem Gerson, deram mais sorte. Há dois meses no Brasil e com um espanhol fluente que aprendeu na Venezuela, o garoto de 22 anos conseguiu um emprego temporário com vendedor da barraca de açaí na Fan Fest manauara. Vai receber R$ 900 reais por um mês de trabalho.
Feliz com o emprego temporário, Gerson pretende dividir seus próximos meses entre Brasil e Venezuela
Humanidade
Na tarde em que conversei com Padre Geomino, ele já havia ido três vezes aoaeroporto levar pessoas que rumavam para um novo emprego com a expectativa de se estabelecer no Brasil. Perguntei-lhe se o empenho à causa fazia parte do espírito cristão. Mesmo sem me identificar com religião alguma, a resposta inesperada me fez entender o porquê do sorriso que preenche a foto que fiz dele para esse texto.
“Eu sou aquele que mistura tudo. Tudo aquilo que é humano é divino. Tudo aquilo que é importante para o homem é importante para Deus”.
* * *
Uma Copa do Mundo se faz com pessoas.
As que entram em campo, as que viajam para testemunhá-la, as que enchem as ruas, as que se voluntariam, as que torcem e as que vêm no evento uma oportunidade para garantir seu sustento ou para extravasar.
A seção “Álbum de Figurinhas” pretende contar, com um microrrelato artesanal e um retrato por dia, a história de algumas dessas pessoas, muitas vezes invisíveis, que povoam os bastidores da Copa do Mundo do Brasil.
Fonte: Álbum de figurinhas: Padre Geomino e as imigrações do Haiti para o Brasil»
Postar um comentário