por Thais Torres
Recentemente, Gabriela Natália da Silva, conhecida como Lola Bevenutti, ganhou destaque na Internet. 21 anos, bonita e formada em Letras na UFSCAR, Gabriela decidiu ganhar a vida como prostituta, algo que muitas jovens estudantes fazem o tempo todo. O que chamou atenção não foi propriamente sua profissão, mas o motivo que ela alega ter sido determinante na escolha deste meio de vida. Em entrevista concedida para o canal de notícias G1, Gabriela afirma:
Sempre gostei de sexo, então tinha um desejo secreto de trabalhar com isso e não há nada mais justo. Faço porque gosto.
O que choca as pessoas não é o fato de Gabriela ser uma garota de programa bonita e inteligente, mas o fato de ela afirmar que gosta disso e que não se prostitui para pagar as contas ou sustentar os filhos pequenos.
A imagem da prostituta sofrida e humilhada permeia a Literatura Ocidental (talvez a oriental também, mas minha ignorância não me permite afirmar isso categoricamente). Vide Sonya, de Crime e castigo ou Fantine, de Os miseráveis. Um dos exemplos mais relevantes para nossa cultura está na Bíblia. Apesar da violência que a Igreja dirigiu às prostitutas ao longo da história, o livro sagrado dos católicos relata que, além de Maria, foi Maria Madalena, uma ex-prostituta, a única pessoa que esteve ao lado de Cristo durante a crucificação (apenas duas mulheres o acompanharam, portanto). Além disso, Madalena foi a primeira a constatar o milagre máximo e fundador do cristianismo: a ressurreição de Cristo.
Encontrei na Internet uma lista de 10 mulheres que interpretaram prostitutas no cinema e ganharam um Oscar pela atuação. A lista é antiga e não inclui Anne Hathaway, que ganhou o Oscar este ano pela interpretação da famosa prostituta da obra de Victor Hugo.
O curioso é que poucas são as prostitutas que durante todo o filme ou livro agem e argumentam sobre suas escolhas como a jovem e real Gabriela. A dama das Camélias, de Alexandre Dumas, por exemplo, diverte-se muito no início da história, mas acaba se apaixonando, sendo rejeitada pela família do rapaz e, após ser obrigada a abandoná-lo, sofre e morre tragicamente, arrependida de suas escolhas.
Os exemplos são inúmeros. Basta lembrar de Vivian, a pretty woman de Julia Roberts ou mesmo da brasileiríssima Bruna surfistinha. Ambas vivem uma história de Cinderela, apaixonam-se por um homem rico e compreensivo, que as acolhe, enriquece e faz com que elas saiam da prostituição e adotem, de corpo e alma, padrões burgueses de comportamento, moda e estilo. Além, é claro, de serem fiéis e, portanto, felizes para sempre.
A imagem que cerca as prostitutas na literatura e no cinema é permeada pela culpa, pela dor e pelo sofrimento. Às vezes, algum glamour. Fico pensando qual é a vida real dessas mulheres e não consigo deixar de pensar que elas não ficam imunes ao desprezo e ao preconceito que um sociedade machista e conservadora como a nossa dirige a elas.
Não sei se vocês se lembram da Luisa Marilac. Celebridade instantânea da Internet, ela ficou famosa com um vídeo em que afirmava "não estar na pior", mergulhava em uma piscina localizada em um suposto ponto turístico do verão europeu. O uso precário da língua portuguesa e a falta de elegância real explicitavam a tentativa canhestra de forjar um pertencimento a uma elite a qual ela não pertencia. Elite essa que, por fim, riu de Luisa Marilac às gargalhadas ao longo de um (curto) período. De alguma forma, parecia engraçadíssimo rir da tentativa dela de tentar se parecer com quem a desprezava por completo.
Eu mesma, não posso ser hipócrita, ri de Luisa Marilac. Mas o riso tornou-se amarelo, constrangido e culpado quando recentemente vi outros videos no youtube protagonizados por ela. Em comum, só os erros de concordância. Nada mais.
O submundo da prostituição e a luta pela sobrevivência retratados nos vídeos tornam impossível o riso. Marilac conta sobre o dia em que quase morreu após um espancamento e pergunta, com a maior naturalidade, sobre as artimanhas que as jovens travestis adotam para não serem linchadas pelos "garotos que saem da balada". Parece comum apanhar, ser humilhada e forçada a fazer sexo de uma maneira que elas não desejam. Afinal, parece ser isso que as pessoas acreditam que elas - prostitutas, travestis, garotos de programa ou qualquer outra pessoa que faz sexo por pouco dinheiro - merecem.
Mesmo assim, muitas afirmam que "Faço porque preciso, mas eu gosto também", discurso que ecoa o da privilegiada ex-aluna da UFSCAR. Nos dois lados da prostituição, quer seja a menina rica que opta por fazer sexo por muito dinheiro ou a travesti pobre que faz o mesmo por poucos trocados, há o mesmo discurso: algumas optam por isso espontaneamente. Dois fatos me chamam a atenção:
1. Ao que parece, não é possível conceder o Oscar - ou ganhar notoriedade literária - para uma atriz que tenha interpretado uma personagem que QUER, DESEJA e GOSTA da prostituição. Seja ela rica ou pobre, em algum momento - no início ou no fim do filme ou romance, não importa - ela terá que sofrer.
2. Prostitutas - pobres e ricas - sempre foram estigmatizadas por simbolizar um universo em que o sexo se sobrepõe a todos os outros valores e interesses. Trata-se, segundo o filósofo francês George Bataille e o resto do mundo, de uma forma de sexo complementar ao casamento. Colabora com a manutenção do sexo ordenado e socialmente aceito, pois trata-se da institucionalização da transgressão. Cito Bataille, só para terminar:
O aspecto sagrado do erotismo (que as prostitutas incorporam, pois o universo em que elas se inserem celebra a necessidade do sexo e do prazer) convinha mais ainda à Igreja. Isso foi para ela a razão maior para maltratar (as prostitutas). Ela queimou bruxas e dexou vivas as mulheres do baixo meretrício. Mas afirmava a decadência da prostituição e se servia dela para sublinhar o caráter do pecado.
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