Uma amiga me disse recentemente que estava há dias sem falar com o marido. Eles haviam discutido sobre a hora em que a filha deveria voltar para casa nos fins de semana e não conseguiram chegar a um acordo. Então, pararam de se falar. Péssima ideia. Afinal, como é possível que duas pessoas se entendam sem conversar? Essa atitude infantil só faz com que o casal passe a conviver com os problemas — o que levou àquela discussão e os demais que surgirem pelo caminho — sem nunca resolvê-los. No fundo, o casal sabe que dessa forma a pendenga não será solucionada, mas tem a ilusão de que, com o tempo, as mágoas serão esquecidas. Não serão. O que acontece é que o acúmulo de “lixo embaixo do tapete” acaba por perpetuar o desentendimento.
É incrível como são comuns os casais que inventam formas dolorosas como esta de evitar a dor. Uma outra dupla, a que atendi faz algum tempo, promovia jogo semelhante. A cada discussão, ambos logo assumiam a posição de que o outro estava errado. O foco do bate-boca deixava de ser a busca do consenso para solucionar um problema e passava a ser a disputa para saber quem estava com a razão. Armava-se então o jogo: aquele que alterasse a voz primeiro dava o primeiro lance; no lance seguinte, o outro, com o dedo em riste, dizia que ninguém podia gritar com ele daquela forma; aí, vinha o primeiro, aos gritos, dizer que não admitia que alguém apontasse o dedo para ele. A irritação aumentava de um lado e de outro até que eles passavam a se acusar mutuamente sobre brigas passadas e outros assuntos que haviam ficado sem solução. Quando estavam a ponto de perder totalmente o controle, um saía batendo a porta e deixava o outro a falar sozinho. Era o início do período de silêncio. Ficavam pelo menos uma semana sem se falar e sabiam que ao final desse período um dos dois aproveitaria uma oportunidade (visita de amigos, aniversário do filho, telefonema de alguém distante, visita do técnico da televisão) para acabar com o silêncio. Então, tudo voltava ao “normal”. Como no primeiro caso, a diferença que deu origem à briga não era resolvida.
Trata-se de jogo jogado. Eles sabem como funciona. Durante o tempo que dura o silêncio, a rotina do casal muda. Um conjunto de rituais bem conhecidos pelos dois indica para ambos que eles estão “de mal”: mudam a hora de chegar e sair de casa; um espera o outro dormir para só depois ir para a cama; eles deixam de tomar café da manhã ou de jantar só para não estarem juntos nessas horas. Ambos sabem exatamente o que vai acontecer e nenhum se propõe a mudar esse processo. O próprio jogo se torna um hábito. Destrutivo.
Suspender momentaneamente a discussão não é necessariamente ruim. Mas isso deve ser feito com o propósito de acalmar os ânimos e tornar possível que o assunto seja debatido depois, com mais ponderação e controle emocional. Essa trégua silenciosa, porém, não deveria passar de horas, quando muito um ou dois dias, sem a necessidade de mudar os hábitos e a rotina do casal. Neste caso, quando o tema da discussão for retomado, ambos estarão de fato no controle de suas emoções e a conversa seguirá um rumo mais racional, com chance de entendimento.
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