A primeira vez que ouvi falar de gente criando site para influenciar a política foi em 2010. Eu estava no TEDx Amazônia e lá, no meio da floresta, conheci o pessoal da Webcitizen.
Eles haviam lançado o site Eu Lembro pouco antes das eleições federais daquele ano. O objetivo me pareceu ao mesmo tempo simples e poderoso. A pessoa entrava no site e lá registrava em quem votou para presidente, deputado federal, deputado estadual e senador. Afinal, quanto tempo se passa entre o momento em que a gente aperta os números na urna e a nossa memória apaga os nomes que escolhemos para nos representar?
[Pergunte-se: em quais deputados e senador você votou na última eleição?]
A plataforma era uma maneira de conseguir acompanhar no tempo o trabalho do político eleito e avaliar se ele fez – ou não – um bom uso do voto que demos a ele. Eu me recordo de ter achado a ideia genial, especialmente porque considerava difícil acompanhar o trabalho dos deputados e dos senadores – mais “esquecíveis” que um presidente, diga-se de passagem. Entrei lá e cadastrei meus votos. O site era realmente útil. Tive prova disso quando tentei entrar nele hoje. Está desativado – só encontrei menção a ele no blog da Webcitizen. E agora não me lembro em quem votei quatro anos atrás. Caso encerrado.
Para os desmemoriados como eu, a boa notícia é que, para as eleições deste ano, a Webcitizen lançou outra plataforma, a Newsletter Incancelável. O propósito é parecido com o do projeto anterior, mas agora eles usam uma ferramenta de gestão de notícias para entregar periodicamente a você newsletters com os conteúdos mais relevantes sobre os candidatos que você selecionou. O envio começa já antes das eleições e acontece ao longo dos mandatos.
A verdade é que desde a época do Eu Lembro, em 2010, surgiram inúmeros sites e aplicativos com a finalidade de nos ajudar a escolher e a monitorar nossos candidatos. Acredito que 2014 tenha dado início ao que se pode chamar de “política do match”.
Na impossibilidade de conhecermos as propostas de cada um – seja pela quantidade de candidatos, pela codificação do vocabulário político ou pela bizarrice de suas candidaturas -, usamos ferramentas para descartar aqueles com que não combinamos e escolher aqueles cujas opiniões mais se aproximam das nossas.
No meu último texto aqui no PapodeHomem, eu mencionei que havia decidido estar no Rio para votar no dia 5 de outubro. Já estou com a passagem comprada e estou indo ciente da importância deste gesto.
O contraponto é que moro em São Paulo há quase seis anos e não tenho acompanhado muito de perto a política por lá. Até onde meu termômetro consegue medir, os cariocas e fluminenses estão de cabelo em pé com as eleições deste ano. Toda vez que o assunto surge – e ele é inevitável, ainda bem -, vem a exaltação, seguida de frustração e vira a esquina numa piada porque ainda “é melhor rir pra não chorar”. Se tem uma coisa que o Rio de Janeiro sabe fazer é não perder o humor.
Resolvi, então, fazer um teste. Escolhi plataformas diferentes para me ajudar a escolher em quem votar nessas eleições. Eis a minha experiência e o resultado que obtive em cada uma delas:
Veto x Voto
É um aplicativo para celular. Você baixa o app e precisa dizer em qual estado vai votar. A partir daí, você escolhe entre “presidente” e “governador” e passa a receber na sua tela uma série de frases – tem tanto citações [sinalizadas entre aspas] quanto trechos de projetos.
A princípio você não sabe de quem é a frase, até que clica “eu voto” ou “eu veto”, posicionando-se a respeito do conteúdo. Quando dá o clique, aparece, então, a pessoa que era autora da proposta. Conforme você vai distribuindo votos e vetos, o aplicativo vai montando um ranking dos políticos.
A pontuação deve indicar aquele que mais te representa. Se você não quiser votar ou vetar determinada proposta, você também pode “pular para a próxima”.
Sobre a experiência:
Passei 30 minutos votando e vetando pelo aplicativo. Como os trechos são curtos, muitas vezes, falta contexto para você se posicionar. Nesses casos ou nos casos em que julguei não ter informação suficiente sobre o assunto, cliquei em “pular”. A maior parte das questões que eu li tinham a ver com Educação, Saúde, Mobilidade Urbana e Segurança.
Alguns trechos eram soltos demais, por exemplo: “Política de desenvolvimento econômico, humano e ecologicamente sustentável”.
Não se pode dizer que isso configure uma proposta. Os trechos claramentes mais contundentes sobre privatizações, desmilitarização da polícia e financiamento à iniciativa privada eram sempre da candidata Dayse Oliveira, do PSTU. Percebi que pelo tom de voz das frases e pelos temas dava pra prever de quem eram. Senti muita falta de poder comparar a posição dos candidatos sobre o mesmo assunto.
Por exemplo: “Reorientar a expansão do metrô visando a integração em rede entre as diferentes regiões da metrópole, com novas linhas ligando o subúrbio da Zona Norte da capital à Baixada de Jacarepaguá, e o centro à região de Itaboraí.”
Eu votei nesta proposta. Era de Tarcísio Motta, do PSOL. O que os outros candidatos pensam sobre isso?
Resultado:
Segundo o aplicativo Veto x Voto, o candidato que mais me representa é Lindbergh Farias, do PT.
Repolítica
É um site e já na home, ele oferece um “teste do candidato” para você ver quais políticos são mais compatíveis com você. Você escolhe o Estado e o cargo.
Como eu estou buscando um governador para me representar, escolhi essa categoria. Fiquei surpresa quando vi que as perguntas que o teste oferece são, a princípio, sobre o próprio respondente.
Precisei me posicionar sobre economia, sobre como defendo minhas ideias [conservador, moderado ou liberal], sobre o que considero ser prioridade [Assistência, Desenvolvimento, Educação, Gestão…]. Depois vieram questões bem específicas, como “adoção por casais gays”, “cotas em universidades públicas”, “UPPS”.
Sobre a experiência:
O teste foi super rápido, foram cerca de 20 perguntas. Por ser um questionário objetivo, é difícil escolher como se posicionar. No tema “UPP”, por exemplo, não havia uma questão específica sendo abordada, você tinha que “concordar”, “concordar parcialmente”, “discordar” ou “discordar parcialmente”.
Não tem “a UPP tem que vir acompanhada de políticas públicas de qualidade para o contexto em que está inserida”, por exemplo. Essa seria minha opção.
Ao fim do teste, o site apresenta um ranking com a compatibilidade de cada candidato. Você também pode clicar na ficha do candidato para obter mais informações a respeito dele. Pelo que entendi, a plataforma permite que as pessoas editem o conteúdo, mas não testei essa parte.
Resultado:
Segundo o site Repolítica, o candidato que mais me representa é Tarcísio Motta, do PSOL.
Vote Lab
Quando você entra no site, aparece um vídeo que explica o propósito da plataforma. O pessoal do Vote Lab criou um algoritmo para calcular afinidade entre o eleitor e o candidato a partir da sua opinião sobre diferentes temas e projetos de lei polêmicos no Congresso Nacional.
Você precisa responder a um questionário com 20 perguntas. Só está disponível para São Paulo, Rio e Minas Gerais.
Sobre a experiência:
O resultado é calculado a partir de afirmações para as quais você precisa inserir seu grau de concordância e nível de prioridade do tema. São questões mais completas, como “O ensino religioso deveria fazer parte do currículo de todas as escolas do país, públicas e privadas” ou “O número limite de ministérios e secretarias do governo federal deve ser determinado pela Constituição Federal”. Tem que parar, pensar e responder.
Resultado:
O site gera uma lista com os deputados que, segundo algoritmo deles, mais têm afinidade com você.
A deputada federal Bianca Mota, do PSB/RJ foi quem mais teve compatibilidade comigo. No perfil dela no próprio site vi que ela defende a “menor idade penal” aos 12 anos. Eu sou terminantemente contra a redução da maioridade penal e expressei isso em uma das perguntas do questionário. Pra mim, é deal breaker. Não me representa.
No nível estadual, quem mais me representa é Eliomar Coelho, do PSOL. Não há perfil dele no site, vou ter que pesquisar.
Projeto Brasil
O Projeto Brasil propõe um teste cego de propostas. Você recebe as frases e avalia, dando de 1 a 5 estrelinhas. A partir do momento em que qualifica as propostas, aparecem a foto e o nome do candidato que é autor dela.
Sobre a experiência:
Toda mecânica de dar estrelinhas é confusa. A plataforma só gera um ranking realmente bom se você avalia muitas propostas, porque lá tem frase de 11 candidatos. Se você responde a 20, por exemplo, vai ter recebido no máximo duas de cada – elas são distribuídas de forma a dar espaço a todos.
No ranking final, por exemplo, eu só tinha recebido uma proposta da Dilma para avaliar e tinha dado 5 estrelinhas. Por conta disso, ela ficou lá no topo.
Resultado:
Segundo o site Projeto Brasil, o candidato que mais me representa é Mauro Iasi, do PCB.
Resumo da Ópera
Depois de algumas boas horas “brincando” de dar match com político, cheguei à conclusão talvez mais óbvia: “Tinder é bom pra arranjar date, mas não pra arranjar marido”.
Testar a afinidade com as propostas é super importante, mas as ferramentas que existem hoje ainda não dão conta da complexidade disso. Usar aplicativos e sites pode ser bom para fazer um filtro, para aproximar das propostas, para compartilhar na mesa do bar, mas ainda não substitui a pesquisa, a conversa e o debate pra uma decisão que pode parecer pontual, mas é de longuíssimo prazo.
Se estamos em busca de uma representação política que vá além do encontro nas urnas [o date], precisamos dedicar mais tempo e escolher com o devido cuidado quem vamos levar pra casa e apresentar pra família. Afinal, ninguém quer ficar recebendo newsletter incancelável de marido chato ou ter que esperar quatro anos pra se divorciar.
por Mariana Ribeiro
Fonte: A política do “match”: apps e sites conseguem nos ajudar a votar?»
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