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Vinte minutos e onze metros. Era o tempo e distância que eu tinha para conseguir conquistar a Ana Carolina, a menina nova da oitava B. Havia duas semanas que ela fora transferida de uma escola do interior de São Paulo para a nossa escola, chamando a atenção imediata do colégio todo.


Parecia uma índia, a pele castanha, olhos levemente puxados para cima, maçãs do rosto fortes, cabelo escuro e liso e bem grosso, reto. Uma franja cortada bem rente às sobrancelhas negras que davam ainda mais destaque aos olhos verdes. Era uma divergência de claro e escuro que deixava intrigada todas as turmas de todas as séries. Quando a Ana Carolina chegou ao colégio, o sossego acabou. Inclusive o meu.


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(Arte: Felipe Franco)



Imagine só, duas semanas de ansiedade e apoquentação. Eu, no ápice dos meus treze anos, ainda não tinha analisado com tamanho afinco os detalhes da minha própria natureza. Um metro e meio, magrela, nariz com buracos saltados para os lados e cheio de sardas. Não haveria menina no mundo que poderia me notar. Pelo menos era isso que eu achava.


Não por mim, eram as estatísticas. Em mais de uma década de existência, a única figura de alma feminina a me cortejar foi a Peteca, cadela que a gente tinha e que adorava me lamber quando eu chegava suado do futebol. Ela morreu — não por conta das lambidas dos meus suores, mas de velha mesmo — e, desde então, a vida tocou sem que eu ou elas tivéssemos qualquer contato mais íntimo.


Problemas grandes não haviam. Eu gostava de jogar bola e Super Mario, ler histórias em quadrinhos. Mas o chacoalho foi forte quando vi passar pela entrada da escola, logo cedinho, aquela menina de meias brancas até os joelhos e saia negra como os cabelos. Naquele momento e em todos os outros que se seguiram até então, eu daria embora a minha bola de capotão, venderia o meu Super Nintendo pelo preço mais acessível só para ter dois minutos de coragem para explicar para ela, a Ana Carolina, que o destino era indolente e que, agora, os meus desígnios e toda a minha ventura estavam apontados para ela. Mesmo sem fazer a menor ideia do que seria indolente, um desígnio ou ventura.


Estava há duas semanas pensando em como falar com ela, em como vencer meus medos e ter um dedo de fala com aquela menina. Todo cuidado era pouco e, no ano passado, tive provas suficientes de que cautela era a primeira opção.


Quando eu estava na sétima série, teve uma vez que dois garotos estavam apaixonados pela mesma garota, a Nicole. Cabelos dourados, empetecada de branco e rosa, tinha o cheiro doce e motorista que a levava para tudo que é canto. Nessa disputa, eles decidiram levar, no mesmo dia, um presente cada um para dar a ela. Com os mimos nas mãos, ela haveria de escolher um dos dois.


Um deles era o Denis, um garoto de porte atlético e cabelos espetados. Era pouco mais alto que eu, mas ágil, sempre era um dos melhores nas brincadeiras e nos jogos. O outro era o Antônio, um menino de doze anos que esticara cedo, medindo já quase um metro e oitenta. Tinha ossos largos e uma bochecha grande e caída, assim como os olhos que pareciam sempre cansados. Desengonçado ele era em qualquer atividade, desde saltos e rodopios até a mais simples tarefa de caminhar.


No dia seguinte, ambos estavam com suas melhores mudas do uniforme escolar, nada daquelas calças com tampos de couro nos joelhos. Nas mãos, ambos com embrulhos delicados, amarrados com fitinhas brilhantes — um de papel branco e fira rosa e o outro com laminado roxo amarrada em dourado — e sorrisos na cara. Fora, primeiro um e depois o outro, até a mesa dela entre as aulas de ciências e português, e depositaram suas lembrancinhas na carteira. Antônio foi antes e , dentro do pacote, uma caixinha de maquiagem com massas coloridas para decorar os olhos e boca. Minutos depois, o presente do Denis foi aberto também. Outra caixinha de maquiagem com massas coloridas para decorar olhos e boca. Idênticas.


Com duas caixas iguais e uma maturidade de menina que nunca recebeu um não como resposta, a única alternativa que a Nicole viu de demonstrar quem ela preferia foi juntar a caixinha e o papel de presente que lhe fora dado pelo Antônio e jogar pela janela do terceiro andar da escola. Voltou para a sua mesa e foi ver quais cores melhor combinariam com seu tom de pele.


Eu é que não queria ver um presente meu despejado pela janela com todo mundo olhando.


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(Arte: Felipe Franco)



Tinha que ter o approach perfeito. Conversei sobre o assunto com três pessoas. Meu analista me disse que era normal o nervosismo e que eu deveria abdicar de minhas aspirações vitoriosas, pois só uma vida sem anseios me daria um cotidiano sem frustrações e, logo, cada lampejo de felicidade seria aproveitado com todo o zelo desse mundo. Disse que eu deveria me retirar de dentro dessa armadura heroica e, munido do manto da derrota, sabiamente eu me encontraria sem medo para o embate com a morte, digo, com a menina.


Achei tudo aquilo meio estranho e não levei pra frente. Falei também com meu amigo, o Lúcio, e ele me contou que a Ana Carolina disse que gostava de alguém da escola, um menino que ela não sabia o nome e que adorava ver ele jogando futebol. Disse que eu deveria jogar como nunca e fazer muitos gols e me profissionalizar e, jogando na Europa, certamente seria eu o escolhido. Achei meio aleatório demais e não quis dar cabo no plano.


Conversei também com um tio meu, que foi gentil e sentou pra me dar conselhos. Me perguntou quem eram as pessoas que eu mais gostava e eu disse que eram meu pai e minha mãe. Ele disse, então, para que falar com a menina como falaria com eles, que a sinceridade faria dar tudo certo. Acho, hoje, que ele queria dizer algo sobre abertura, acolhimento, uma conversa real e verdadeira que conectaria as duas pessoas em um desenrolar de fatos e conversas genuínas e, com essa proximidade profunda, ficaria mais fácil de seguir com a conquista. Mas, naquela idade, achei bem confuso pedir leite com bastante Toddy ou um carrinho de controle remoto pra menina que eu estava apaixonado. Também deixei de lado esse conselho.


Os vinte minutos do intervalo se passaram e os onze metros agora diminuíam, já que ela vinha em minha direção, conversando e rindo com as novas amigas. As pernas começaram a tremer a a garganta era de uma secura só. Ela disse para a as amigas seguirem que ela iria tomar água do bebedouro na entrada do corredor das classes. Dois metros de mim.


Filmes românticos passaram pela minha cabeça, uma poesia que eu estava tentando decorar, o grito dos Thundercats, a ideia de correr até a Sibéria por pura vergonha. Era agora ou nunca e eu teria que dar o tiro certeiro, a cantada perfeita, a chegada meticulosa, a manha mais manhosa, o delírio amoroso que derreteria qualquer coração.


Saiu o banal.


— Oi.




por Jader Pires





















Fonte: Como eu faço pra chegar naquela gatinha?»

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