Uma das habilidades mais fascinantes da mente humana é a de reconhecer e criar padrões. Percebemos as conexões entre os fatos, tiramos conclusões a partir de repetições, estabelecemos nós mesmos sinais e criamos nós mesmos relações que nos permitem chegar a conclusões que outras espécies não conseguem alcançar.
Graças a isso atingimos desde os mais modernos avanços espaciais até as mais antigas tecnologias de medição do tempo, temos as leis formais e a palavra escrita, praticamos esportes com regras e seu avô conseguia olhar pro céu e falar se ia chover ou não.
Mas, ao mesmo tempo, por causa dessa habilidade, nos tornamos, de certa maneira, viciados em ver e criar esses padrões. Nos apegamos a coincidências, descartamos elementos que refutem a nossa lógica, olhamos pro céu e falamos que aquele monte de estrelas tem o formato de um caranguejinho ainda que esteja óbvio que não tem formato nenhum de caranguejinho, estamos forçando uma barra imensa, é só um amontoadão de estrelas mesmo, vamos ser sinceros.
E nada exemplifica melhor o quão longe a mente humana está disposta a ir para encontrar padrões e conexões do que as teorias da conspiração.
Conspirações: elas estão em todo lugar
Imagine que você perdeu seu ônibus. Era uma quarta-feira como todas as outras, você acordou na mesma hora de sempre, tomou o mesmo café de sempre, se vestiu na mesma velocidade de sempre e, por isso, chegou no ponto na mesma hora de sempre. A única mudança é que dessa vez o ônibus já tinha passado.
Sim, o ônibus que sempre chegava entre cinco e dez minutos depois de você no ponto, dessa vez já estava lá na frente, dobrando a esquina, e no anúncio do motel panda colado no vidro de trás a única fodinha possível era a de todo o seu cronograma do dia, já que outro ônibus só daqui a uma hora.
E como isso aconteceu? Afinal, tudo foi feito do mesmo jeito, chegou na mesma hora, como o resultado pode ter sido tão diferente? Será que o motorista se adiantou? Será que seu relógio tá errado? Será que mudaram o horário do ônibus?
Ou será que Leandro, o outro coordenador de projetos, aquele que está disputando contigo a promoção para o cargo de gerente, subornou o motorista pra que ele passasse mais cedo, fazendo com que você perdesse o ônibus, por isso perdesse a hora e daí chegasse atrasado na reunião de apresentação do novo sistema para os japoneses, aquela conta que todo mundo no escritório sabe que é a mais importante?
E quem garante que é apenas o Leandro, certo? Afinal, você estava contando com o dinheiro dessa promoção para finalmente pedir sua namorada em casamento e quem mais do que Teodoro, o ex-dela que ainda fica rondando no Facebook, se beneficiaria se essa união demorasse um pouco mais? E quem garante que além de Leandro e Teodoro o seu Nilmar, o vizinho do andar de baixo que te odeia, não pode estar também envolvido, já que o aluguel vem subindo ele poderia ter descoberto que sem essa promoção talvez você tivesse que abandonar a zona sul e ir morar na zona norte, onde a habitação tá mais em conta?
Kennedy, a copa de 98, a garota que foi embora e nunca mais ligou
E a grosso modo, é mais ou menos essa a lógica de uma boa teoria conspiratória. Estamos vivendo nossa vida em um estado normal quando nos deparamos com um evento que é trágico demais, aleatório demais ou apenas atípico demais e, incapazes de lidar com o fato de que a vida é, em diversos momentos, trágica, aleatória e atípica, buscamos algum tipo de padrão que possa explicar aquele evento.
O presidente não morreu com tiros dados por um maluco, mas sim foi assassinado a mando de um complexo militar-industrial com a participação de um armador grego, um governante cubano e a conivência da CIA. O time não perdeu a final porque foi pior em campo mas sim porque todas as competições tem seus resultados combinados por um intrincado esquema que envolve atletas, treinadores, presidentes de clube, árbitros, casas de aposta e canais de televisão, que impede que qualquer time de fora vença uma competição.
Sílvia não foi embora porque você era imaturo, idiota e bem ruim de cama, Sílvia foi embora porque…bem…alguma dessas coisas complicadas envolvendo a CIA, o SportingBet e o PT. Talvez a NASA também.
Isso porque, por mais intrincada e complexa que seja a teoria, por mais que ela diversas vezes não sobreviva a cinco minutos de análise lógica, ela ainda nos oferece uma proteção contra o que a vida tem de mais assustador. Aviões não caem porque , então, aviões caem e nós pegamos aviões e então caramba, um dia o nosso avião pode cair.
Não, aviões caem porque a indústria farmacêutica quer matar os cientistas que pesquisam o vírus da AIDS pra manter seus lucros.
A seleção brasileira não perde finais porque o outro time era muito bom e o Ronaldo teve uma convulsão na manhã da partida e caramba, isso quer dizer que podemos perder várias outras finais e existem times mais fortes. Não, a seleção perde porque a Nike, junto com a FIFA, combinou resultados e os atletas brasileiros se venderam para que o Brasil pudesse sediar a copa alguns anos depois — imagino que já exista alguma boa teoria sobre os 7×1, eu que não li ainda.
As teorias da conspiração são a tentativa das nossas mentes de tornar o mundo menos aleatório, as tragédias menos sem sentido, os eventos que nos contrariam menos um sinal de que o mundo vai sim, nos contrariar diversas vezes, mas sim sinal de que somos vítimas de forças maiores que não podemos controlar.
Nem tudo é uma conspiração. Na verdade, quase nada é
Não estou dizendo que não existam ocasiões em que a explicação mais complexa é a mais correta, em que a conspiração era real, em que a CIA, a NASA, o FMI e a moça dos palitos de dente Gina se uniram em prol de um objetivo em comum. A história comprova que, fora a menção específica aos palitos de dente, tivemos ocasiões em que coisas bem próximas disso aconteceram.
Também não nego o fascínio óbvio do conceito de conspiração em si e do quão divertido pode ser discutir coisas desse tipo — digitar “iluminatti” no YouTube é tão divertido, fascinante e constrangedor quanto digitar “lip sync” — ou como é reconfortante esse processo de encontrar lógica nos eventos aleatórios e tornar a vida menos caótica e selvagem.
O problema é o quanto, numa era de amplo acesso a informação e possibilidades de contrapor os dados de diversas fontes, teorias desse tipo seguem se fazendo presentes no discurso de pessoas de quem nós sinceramente esperávamos um pouco mais.
Em suma, eu não reclamo que meu avô nunca tenha realmente acreditado que o homem pisou na lua, porque ele era um homem do campo, foi criado sem televisão, não tinha o hábito de ler jornais, matava os próprios porcos nos fundos do sítio e me olhou com profunda decepção quando eu disse que achava que matar animais não era pra mim.
Mas fico profundamente preocupado quando meu colega de faculdade, que estudou comigo e tem acesso a Internet, compartilha notícias sobre a Rússia estar treinando golfinhos armados para a Terceira Guerra Mundial. Porque não que não seja espetacular — são golfinhos, russos, armados — mas é o tipo de coisa que se você parar pra pensar por 5 segundos você vai ver que… bem, parece meio forçado, a gente devia dar uma conferida.
No que podemos, no que queremos e no que deveríamos acreditar
E esse é o principal perigo da teoria conspiratória. Ao oferecer uma resposta pronta, confortável e que te dá a falsa ideia de ser mais esperto do que todo mundo — “olha essa galera achando que foi um desastre natural quando apenas eu sei que foram os produtores de soja e os aliens reptilianos” — ela transmite uma postura questionadora quando, na verdade, ela se sustenta exatamente porque você não quer questionar nada.
Transformando aleatoriedades em esquemas, transformando acidentes em conspirações, transformando problemas em ações iluminatti, mitificamos as questões, esvaziamos o debate, perdemos de vista o que realmente acontece. A corrupção no futebol é um problema, o esquema da Globo para que apenas Corinthians e Flamengo ganhem partidas é uma troca de ofensas no Facebook.
A eleição presidencial é uma questão importante, a milícia de imigrantes que os petralhas estão formando dentro do Brasil não é ponto de partida pra nenhuma discussão produtiva. O disco da Beyoncé pode não ter sido tão bom, mas os gestos maçônicos que ela esconde nas capas não são exatamente a razão do problema.
A conspiração, com sua cara complicada, é na verdade a solução fácil. Porque o complicado mesmo, nos dias de hoje, parece ser ler as coisas com calma, confrontar fontes, ir além do título da notícia, confirmar se o link é do New York times ou do The Onion, gastar alguns segundos pensando como um golfinho poderia usar uma metralhadora – atividade essa que eu realizo diariamente e nem é pra questionar nada, é apenas por diversão mesmo.
São golfinhos, cara.
Então antes de entrar de carona na próxima teoria, antes de acreditar na próxima história absurdamente elaborada mas profundamente confortável, tente tirar alguns minutos pra se perguntar o quanto de verdade ela pode ter. Afinal, todas essas conspirações confusas aparecendo ao mesmo tempo também podem ser algum tipo de conspiração.
Não, brincadeira, não é uma conspiração não, não começa a se empolgar, desculpa eu ter falado isso.
por João Baldi Jr.
Fonte: Quem conspira contra os conspiradores?»
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