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Luciana Franca


O estilista fala sobre sua estreia como ator, avalia o atual cenário da moda no Brasil e assume: "Só compro roupa quando viajo"

A poucas horas de subir ao palco para encenar a peça “A Feia Lulu”, Fause Haten surpreende com a tranquilidade pouco comum para um ator estreante. “Fico com a consciência pesada porque eu achava que tinha que entrar em cena com dor de estômago, mas não. Eu chego, converso com as pessoas, olho nos olhos dela, é gostoso, tem sido muito bom”, contou. Horas depois, o estilista volta a surpreender porque faz a plateia esquecer completamente que quem está em cena é dos grandes nomes da moda.


Fause Haten, que já passou pelos altos e baixos da moda, gravou dois CDs como cantor, faz desfiles performáticos e se formou na escola de teatro Célia Helena, é daquele tipo de pessoa que não se priva de realizar o que tem vontade. E afirma estar muito feliz com suas escolhas. “É uma coisa muita clara para mim hoje: sou um artista. A moda faz parte desse meu universo. A moda é inclusive o meu ganha-pão, mas não é a única coisa. Todas as outras coisas que antes eram hobbies começaram a crescer e a aparecer”, contou ele na entrevista ao iG.


Nem mesmo quando a conversa volta no tempo, mais especificamente para o ano de 2008, quando Fause fez a mal-sucedida venda de sua marca, o tom sereno de entrevistado se altera. No bate-papo, o estilista ainda fala do atual cenário da moda brasileira e revela que não compraria uma bolsa de sua própria marca. “No shopping JK Iguatemi tem na vitrine uma bolsa da Miu Miu por R$ 4 mil. Por que você vai comprar uma bolsa do Fause por R$ 2,8 mil? Para eu fazer uma bolsa minimamente de qualidade, custa R$ 1,9 mil, R$ 2 mil. Não tenho o marketing deles, não tenho a qualidade deles, não tenho a loja deles. E se eu fosse consumidor, não compraria a bolsa do Fause.”


iG: A estreia numa peça sobre o universo da moda foi mais confortável?

Fause Haten: Não aconteceu de outra maneira, aconteceu assim. Não sei se eu fizesse outra coisa seria mais fácil ou mais difícil para mim. Acho que é mais fácil para o público, tenho essa sensação. Acho que é mais fácil para o público me ver, para o público chegar: ‘Ah, o Fause vai contar a história do Yves Saint Laurent’.


iG: Você parece feliz. O teatro está tomando mais espaço no coração do que a moda?

Fause Haten:
Muito feliz. É uma coisa muita clara para mim hoje: sou um artista. A moda faz parte desse meu universo. A moda é inclusive o meu ganha-pão, mas não é a única coisa. Todas as outras coisas que antes eram hobbies começaram a crescer e a aparecer. Quando eu comecei a cantar, perguntavam se viraria profissão. Compus um monte de música, hoje é fácil gravar um disco, vira uma diversão.


iG: Você é uma pessoa que realiza suas vontades.

Fause Haten: Gosto de realizar. Na hora que encaixo a música na peça, eu penso: ‘ah, a função da música é essa’. Não vou ser cantor, nada disso, mas não tem como desassociar. É assim quando vejo que a moda está presente no palco e que a cena está presente no desfile. Acho que isso é uma coisa que está acontecendo nos dias de hoje, com a molecada. A gente tem limite, mas eles não.


iG: Tinha ambições de ser ator quando era garoto?

Fause Haten: Sempre fui fascinado pelo teatro. Nunca fui ao teatro com a minha família, mas me lembro que quando tinha 18 anos eu já trabalhava e comprei um ingresso para ver o (coreógrafo francês) Maurice Bejart no Municipal. De onde um filho de mercador que trabalhava na 25 de Março (rua de comércio popular de São Paulo) tinha esse conhecimento e esse gosto? Não sei te dizer. E hoje, depois de tantos anos, chego aqui e me sinto confortável. Fico com a consciência pesada porque eu achava que tinha que entrar em cena com dor de estômago, mas não. Eu chego, converso com as pessoas, olho nos olhos dela, é gostoso, tem sido muito bom.


iG: Já tem planos para o próximo espetáculo?

Fause Haten: É que nem quando acaba um desfile, você já tem uma outra ideia. Já tenho várias ideias, mas é um trabalho muito grande levantar uma peça.


iG: A tristeza de ter vendido sua marca ficou no passado?

Fause Haten: Ficou no passado. Eu falo sobre esse sentimento na peça, imagino que tenha sido similar ao sentimento de Yves Saint Laurent quando se despede da marca. Efetivamente foi uma coisa que não deu certo, fui lesado, tenho processo na Justiça. Eles levaram o nome e não pagaram. Mas ninguém me obrigou, ninguém colocou uma arma na minha cabeça apara eu assinar aquilo. Assinei porque quis, achei que estava fazendo uma coisa certa e não deu. Tem coisas que são necessárias na vida. Talvez se eu estivesse naquilo, não estaria fazendo o que faço hoje. Tenho dinheiro? Não. Comprei casas e carros? Não. Estou me virando e estou feliz no que faço. Espero um dia receber um dinheiro, se é que existe algum tipo de justiça, sei lá como é isso.


iG: É um assunto que não te amargura mais?

Fause Haten: Acho que nem na época. O que mais me amargura é dever e não ter como pagar. Na época em que tudo aquilo aconteceu, eu estava completamente desesperado porque não tinha dinheiro e um monte de dívidas deles caíram sobre mim. Tive que pagar o aluguel da loja da (rua) Oscar Freire de um ano porque meus pais eram fiadores e estavam entrando com uma ação em cima deles de R$ 400 mil. Consegui pagar as coisas aos trancos e barrancos, mas duas ações trabalhistas caíram na minha vida. Cada vez que isso acontecia, o dinheiro da minha conta bancária desaparecia. Agora passou, os funcionários todos foram pagos. Quando vendi a empresa, ela não tinha dívida nenhuma. Mas não olho para trás.


iG: Como é sua estrutura hoje em dia?

Fause Haten: Tenho uma loja que não fica no circuito, tem feminino e masculino. Hoje o mercado mudou muito. Se eu estivesse na Oscar Freire, acho que estaria infeliz, não é mais o que era. E daquele processo todo das vendas, acho que ninguém está feliz, não deu certo para praticamente ninguém. Deu certo para as grandes as marcas como a Le Lis Blanc, a Animale. Mas se pensar em (Marcelo) Sommer, Amir (Slama), Tufi (Duek), o próprio Alexandre (Herchcovitch)... Não tenho amizade com o Alexandre, mas acho que não está feliz porque a gente vê as coleções, tudo correto, meio contido. Essa época dos criadores nacionais acabou e estou falando isso sem rancor. A gente vive uma época em que no shopping JK Iguatemi tem na vitrine uma bolsa da Miu Miu por R$ 4 mil. Por que você vai comprar uma bolsa do Fause por R$ 2,8 mil? Para eu fazer uma bolsa minimamente de qualidade, custa R$ 1,9 mil, R$ 2 mil. Não tenho o marketing deles, não tenho a qualidade deles, não tenho a loja deles. E se eu fosse consumidor, não compraria a bolsa do Fause.


iG: Quem compra sua roupa hoje?

Fause Haten: A Zara tem paletós ótimos, do jeito que você quer. Eu comecei a mudar o meu produto para tentar criar uma personalidade que não existisse em nenhum desses lugares. Quando eu faço roupa toda com pedacinhos de tecido, quando faço a roupa assim ou assado, é uma roupa para poucas pessoas, no sentido de que é uma roupa especial que não tem na Prada. O Fause é aquilo: você gosta ou não gosta, quer comprar ou não quer comprar. Antigamente falavam que o Fause era cafona, que fazia roupa de madrinha, mas agora o mercado nacional todo se concentra na roupa de noite. Até isso passa a ser um problema para mim porque a gente tem muita concorrência.


iG: Qual é o futuro para sua geração de estilistas?

Fause Haten: Ou o estilista vira um técnico e vai trabalhar na indústria de fast fashion, ou vai ser um técnico de compras e vendas nessas marcas internacionais, ou vai ter que criar um tipo de personalidade... A relação do consumidor com um estilista como eu é quase como uma compra de uma obra de arte: a pessoa vai comprar o vestido porque se encantou de tal forma que não vai mais viver sem ele. Ou então a roupa é para uma ocasião especial e a cliente quer conversar comigo, também faço roupa sob medida.


iG: Já fez parceria com as grandes redes?

Fause Haten: Acho que tive a primeira do mundo com a Riachuelo em 2000. Antes de H&M. A experiência foi ótima, mas eu não faria de novo. Acho muito ruim o que fazem no Brasil porque acho que não existe distância no mercado para fazer o que fazem. Quando você vai numa H&M e compra uma roupa do Karl Lagerfeld, há um grande distanciamento entre as duas marcas. Mas para que a C&A faz roupa do Espaço Fashion? Não adiantou nem para um e nem para o outro. Agora fizeram com Francisco Costa e começou a mudar.


iG: As blogueiras de moda influenciaram seu trabalho de alguma forma?

Fause Haten: Acho muito interessante esse movimento, mas também acho que já passou. No momento em que a blogueira vira um negócio, ela deixa de ser interessante. A gente vive num país em que as pessoas gostam de ser iguais, essa é uma característica do brasileiro. Eu queria que as pessoas gostassem de ser diferentes. A blogueira é basicamente alguém que tem um pouco de personalidade, um jeito diferente dos outros e aí começa a despertar a atenção. It girl é na realidade uma menina com bom gosto. A minha vontade é que as pessoas parassem de olhar para fora e começasse a olhar para dentro. Hoje me interesso por pessoas que não se interessam por moda, que não usam moda, porque aí pode ter um frescor.


iG: É boa a liberdade de não se preocupar em manter uma mega estrutura?

Fause Haten: É muito boa. Tem contas para pagar, tem que fazer a máquina girar, mas eu me esforço para a estrutura não crescer inclusive porque ela me deixa mais livre.


iG: Ganhou dinheiro com moda?

Fause Haten: Ganhei muito dinheiro e gastei muito. O dinheiro escorre pelos dedos na confecção, o dinheiro vai embora, é desesperador porque você tem conta para pagar. A costureira errou, você tem que voltar para trás e o preço da roupa já aumentou. Aí você faz uma compra, não vende, é lixo. Essa história de fazer roupas com pedacinhos de tecido surgiu quando um vi um cara da indústria de alimentos falar que o lucro de um restaurante está no lixo, quanto menos lixo o restaurante eliminar, mais lucro terá. Se você usa manjericão na comida e tem pesto no cardápio, esse pesto pode ser feito do caule do manjericão. Então, você economizou lixo. Tenho essa linha de raciocínio há alguns anos e na empresa não jogamos nada fora. Às vezes faço o retalho de uma renda linda virar uma folha que vira o enfeite de não sei o que. Eu nem faço essa panfletagem de sustentabilidade porque é chato. Você faz suas coisas e ponto final. Mas é muita roupa por aí, né?


iG: Como você consome moda?

Fause Haten: Como qualquer pessoa inteligente e vou falar contra mim mesmo: eu só compro quando viajo. É muito difícil eu comprar alguma coisa aqui. Tenho meus surtos? Sim. Mas hoje em dia muitos menos porque eu penso: ‘outro tênis preto?’ Não preciso de tantos. Um dia surtei e comprei um tênis de US$ 2,5 mil e pensei: ‘para quê?’ A gente até se arrepende depois. Mas uso há não sei quantos anos e amo aquilo, tem uma história. Mas me liberei muito do consumo ultimamente, me liberei bastante.


Serviço:

"A Feia Lulu" - última semana em São Paulo

Obra de Fábio Retti, Fause Haten, Gregory Slivar, Francisco Carlos, Marina Caron e Ondina Clais Castilho

Atriz convidada: Olivia Martins

Teatro Faap (R. Alagoas, 903, São Paulo; tel. 11-3662-7233 / 3662-7234; http://ift.tt/1jTntfY)
Somente nesta segunda (02/06) e terça-feira (03/06) às 21h







Fonte: Fause Haten: “Sou um artista e a moda faz parte disso, é o meu ganha-pão”»

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