Quando ajudamos alguém e esperamos algo em troca, ainda que seja gratidão, não estamos sendo bons, mas espertos. A bondade, a proteção, a ajuda tem sido usadas como instrumento de controle sobre o coração das pessoas. E, quando, apesar de tudo o que fizemos pelo outro, ele, no exercício de sua liberdade, nos dá um “não”, nós o chamamos de ingrato e nos sentimos injustiçados.
Existe uma grande diferença entre amor e “favor”. No amor, temos grande alegria em fazer algo por alguém e somos pagos no próprio ato de fazer. No favor, tudo o que fazemos é contabilizado e futuramente cobrado. Chamamos de ingrata a pessoa a quem prestamos um favor e na hora de pagar ela não o fez. Mesmo porque nada foi combinado com ela. Ingrato é aquele que não se vendeu aos nossos favores. As relações que se fazem através do binômio favor-gratidão, em geral são pesadas e de muito conflito porque elas se estabelecem através do jogo da renúncia.
Ensinaram-nos que para o amor é essencial renunciar. Que devemos abrir mão de nossa individualidade, dos nossos gostos, do nosso tempo, dos nossos sagrados, do nosso crescimento, etc. Tudo por amor a alguém. Com o passar do tempo, todo esse sacrifício amoroso vira uma cruel cobrança no sentido de que o outro nunca nos contrarie e permaneça, através do agradecimento, escravizado aos nossos desejos. Daí a importância do “sim” e do “não” em nossos relacionamentos.
Amigo é aquele que consente no meu “não” e eu no dele. Do contrário, é escravidão. A bondade só faz parte do amor se for absolutamente verdadeira. Usada para dominar alguém, é crueldade. Talvez esse seja o motivo para tantos problemas familiares. Casais que se acusam mutuamente da falta de reconhecimento de um pelo o que o outro fez. Mães e Pais que se sentem injustiçados quando os filhos não atendem às suas expectativas e não “pagam” com o sucesso e bom desempenho o que foi feito para eles. É uma cadeia interminável de cobrança e de culpabilização que traz enorme desgastes num relacionamento.
A palavra sacrifício é muito interessante. Vem do latim e significa tornar-se sagrado para o outro. Quando, porém, somos excessivamente bondosos para os outros eles respondem a isso com culpa. Nenhum filho, nenhum marido, nenhuma mãe, em sã consciência quer o próprio prazer à custa do sofrimento do outro. A reciprocidade nas relações é importante.
Todo relacionamento é uma troca, mas tem de ser combinada. O que não é adequado sou eu fazer pelo outro, sem acertar e posteriormente cobrar. As relações se tornam exploração.
Vivemos com a sensação de injustiçados, não reconhecidos, como é o caso da Marilene, cuja carta estamos respondendo.
Há uma piada que reflete isso. Um rapaz passeava com uma moça de carro e a levou para o interior de um bosque. Parou o carro e começou acariciá-la, insinuando um desejo de ter alguma intimidade sexual com a moça. Ela retrucou explicando:
- Eu sou uma prostituta e se você quer alguma coisa, terá de pagar.
- E quanto eu devo pagar? Perguntou o rapaz.
- Cinqüenta reais, respondeu a mulher.
Assim sendo, ele tirou uma nota de cinqüenta reais e entregou a ela. Depois de passar um bom tempo nas intimidades sexuais, se arrumaram e a moça notou que o rapaz não davasinais de querer ir embora.
- Vamos, já fizemos o que era para fazer.
- Ele respondeu: Não, temos de combinar, eu sou chofer de táxi. Você terá de pagar a corrida de volta.
- Quanto é? Perguntou a mulher.
- Cinqüenta reais!
A esperteza, o oportunismo, o dar “por amor” e cobrar depois é a forma que aprendemos. Pessoas livres, autônomas, verdadeiramente amorosas se relacionam com o máximo de clareza. Comprar o possível amor do outro, através da renúncia, da bondade, do favor, do sacrifício, na esperança de ter o outro é abrir um caminho complicado de sofrimento. Talvez isso explica a nossa grande dificuldade de dar o não a nossa compulsiva necessidade de agradar sempre, de “puxar o saco”, de pensar mais no outro do que em nós mesmos.
Se você espera resposta para sua bondade, é melhor não tê-la.
Antônio Roberto
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