Eis algumas citações inventadas com base nos longos emails que recebo. Não são bem invenções: apenas cortei todo o bla-bla-blá e o excesso de reticências e pontos de interrogação de 3 deles.
A origem da resposta padrão
Eu não acredito em manuais de auto-ajuda, respostas definitivas, verdades últimas. Não há critério absoluto para apontar qual é o melhor caminho. Se você sabe que alguém está indo de ônibus de São Paulo para Natal e tenta ser generoso oferecendo uma passagem de avião, nada impede que o avião caia e faça de sua ação um desastre nada compassivo. Se a mulher trai o marido, quem pode afirmar que isso é ruim para o casamento ao ver a relação deles melhorar?
Aos primeiros pedidos de conselho que recebi, respondi indicando passagens de avião e rejeitando traição. Ou seja, adentrava a situação, visualizava uma saída e sugeria um caminho que poderia ser benéfico. Como não sou psicólogo, xamã, guru, padre ou lama, deixava claro que estava respondendo como um amigo qualquer. Ainda assim, fiz o voto de não emitir opiniões pessoais correndo o risco de piorar ainda mais o problema. A cada novo e mail, olhava com mais cuidado e tentava visualizar um caminho cada vez mais amplo de modo que não envolvesse nenhuma preferência pessoal.
Se não há caminho melhor que outro, o que responder para alguém que pede por algum direcionamento? Ora, a própria percepção de que não há saída – de que pode surgir dor e insatisfação em qualquer posição – é feita de uma perspectiva transcendental, de um olhar que pode ser mantido em qualquer caminho, e que revela igualmente que pode surgir felicidade e liberdade em qualquer posição!
As respostas progressivamente se transformaram de “Faça dança de salão” ou “Exija direcionamento e estabilidade de seu homem, não aceite sua mediocridade” para algo assim: “Você pode sofrer e ficar insatisfeito com ou sem sua namorada, assim como pode ser feliz e livre com ou sem sua namorada. O ponto não é continuar ou terminar, mas ser livre e construir relações positivas em todas as direções”.
Tal postura evoluiu até que há uns dois meses escrevi uma mensagem para uma mulher e no dia seguinte a encaminhei para outra e depois para um homem e depois para uma menina… Só alterava o nome e uma frase ou outra. Não sei bem se fiz isso com a motivação de não perder tempo ou se queria de fato trazer algum benefício. ;-)
De qualquer modo, escrevi com toda a sinceridade, como se a pessoa fosse meu filho ou uma grande amiga. Escrevi aquilo que eu mesmo gostaria de ler quando imerso em situações complicadas e doloridas.
A cada email idêntico que enviava, me questionava sobre a universalidade de nossa dor: quanto mais específico e particular o problema, mais ele se aproxima das aflições de nosso vizinho, de nosso colega de trabalho, de nossos pais, netos, ex-namorados, primos de segundo grau, de estranhos na rua, franceses, japoneses… Como ensinava Guimarães Rosa, o mais particular não é senão o mais universal: “O sertão é do tamanho do mundo”.
Qual é o nosso verdadeiro problema?

Ainda que nossa mente saiba do absurdo de tais crenças, nosso coração e nossos pulmões afirmam com toda a ingenuidade: “Isso nunca aconteceu antes com ninguém, essa história toda é inédita, eu não sei e ninguém saberia o que fazer, por isso dói tanto!”.
Durante uma confusão, ao enviarmos um email pedindo conselhos, o que mais desejamos é reconfigurar a situação. O homem traído deseja, antes de tudo, que possa voltar ao passado e desfazer o evento, ou, pensando mais realisticamente, que sua mulher se arrependa e corte o envolvimento com o outro, ou que ele mesmo deixe de amá-la. Queremos uma resposta para a pergunta que fizemos e assim nunca percebemos que o problema se esconde na própria pergunta!
A esposa insatisfeita não sabe se trai ou não o marido, a mulher aflita pergunta como voltar com o marido e a garota que se sente carente arruma um parceiro atrás do outro… Elas todas enviam emails perguntando o que fazer, buscam alterar as situações ao redor, e sequer desconfiam de seus verdadeiros problemas: insatisfação, aflição, carência. Ora, elas não estão sofrendo porque desejam trair, querem voltar ou fazem sexo sem parar… Elas estão sofrendo porque estão oprimidas pela carência, se movem por insatisfação e estão afogadas em emoções perturbadoras.
Achamos que nosso problema é o namorado que foi embora, a mulher que traiu, o parceiro indeciso, a falta de sexo, a comunicação confusa, a ausência de diversão, grana ou tesão. Mas não é. Nosso problema é a insatisfação gerada por colocarmos nossa felicidade, nossa alegria, nossa energia, nossa respiração, nossa vida em cima de bases instáveis como um namorado, uma mulher, um apartamento, um emprego, uma conta bancária, uma identidade, um pensamento, uma religião…
Diante de um longo email ou depois de um discurso todo enrolado no qual a pessoa se esforça para explicar sua situação (“Vou dar os detalhes para o senhor entender bem por que estou sofrendo”), um mestre de meditação, que obviamente já sabe por que a pessoa está sofrendo antes mesmo de ela começar a falar, enxuga e reduz a complicação com uma simples pergunta: “Como está sua mente? O que você está sentindo? O que está sofrendo?”. A pessoa tenta explicar por que ecomo está sofrendo. Então o mestre pergunta novamente: “O que você está sentindo?”.
Ela não entende qual a relevância disso, afinal tem uma situação a resolver. Por um instante acha que o mestre não entendeu o problema, mas enfim responde: “Estou sentindo raiva” ou “Estou ansiosa” ou “Estou deprimida”. E então o mestre sorri: “Ótimo, então descobrimos o problema! Pratique meditação com a motivação de se liberar da raiva e também com o desejo de que nenhuma outra pessoa seja arrastada por isso”. Ou “Temos bastante trabalho a fazer aqui na comunidade, eu soube que você é médico, então comece amanhã a atender as pessoas que não podem pagar. Isso vai curar sua depressão”. Para a ansiedade, além da meditação, talvez ele ensine alguma arte como thangka ou sumi-ê.
Curiosamente, o mestre ignorou toda a situação, não falou como agir com o ex-marido, o que falar para a namorada, o que fazer, qual direção seguir. Se o aluno seguir a instrução, transformar sua mente e se liberar da aflição, o sofrimento pode não desaparecer por completo, mas ele não exigirá uma decisão. O desconforto será visto como tal em vez de agir por trás impelindo mil ações precipitadas. Restará uma situação a ser vivida como qualquer outra, seja o fim ou a reconstrução de uma relação, a mudança ou a permanência no trabalho, na cidade ou no casamento.
Sem um mestre desses, fazemos tudo ao contrário. Assim que surge a insatisfação, a raiva, a carência, a ansiedade ou qualquer forma de perturbação, sentimos um desconforto, uma necessidade de se mover, mudar, tomar uma decisão. Em nenhum momento desconfiamos que estamos sendo comandados pela aflição. Pelo contrário, ela vira nosso líder, mestre, guru, nossa intuição mais sábia: “Estou sofrendo muito, acho que é o momento de acabar com ela!”.
Nós sofremos porque vivemos sob a ilusão de que alguns caminhos são mais seguros do que outros, que uma identidade é melhor que outra, que a estabilidade pode ser encontrada em alguns pontos e não em outros, que seremos felizes com algumas pessoas e não com outras. Sem perceber, passamos a vida inteira buscando tais posições, identidades, locais e pessoas. O fim da história nós já sabemos e teimamos em ignorar: todos morrem antes de conseguir encontrar o Santo Graal.
Tomando essa ilusão como referencial, sempre que surge algum sofrimento, interpretamos a situação como um alerta: “O príncipe não é ele, o paraíso não é aqui, o Santo Graal deve estar em outro lugar!”. Desconforto, insatisfação, vontade de se mover, decisões calculadas, consulta com o psicólogo, longo email para o Contardo Calligaris, para o amigo sábio, para o lama ou para o moleque do blog lilás.
Enfim, depois de acertarmos o diagnóstico, é fácil entender a resposta padrão. Vou imaginar uma mulher, mas funciona bem com um interlocutor masculino (basta mudar pouca coisa).
Simples e curta, aqui vai…
A resposta padrão para qualquer problema de relacionamento

“Oi, Nome-da-pessoa-confusa,
Situação linda essa, não? Olha, vou ser sincero, mas talvez não seja a resposta que você esteja esperando.
Pode ser que você trepe com ele insanamente, se libere e melhore sua relação com seu marido, descobrindo modos de ter prazer. Ou pode ser que você e se envolva e construa uma nova relação, dando fim ao seu casamento.
Ir ou ficar, ter outro homem ou não, ambos geram aflições. A saída não é ir ou ficar mas superar as aflições (ansiedade, carência, medo, raiva, inveja, orgulho etc). Como a gente não entende isso, melhor ir e ficar para se foder de todo jeito e então sacar que o caminho é outro.
Se você não se relacionar com outros homens, vai ficar sempre com algo intocado dentro de você e algo não vivido esperando lá fora. Mesmo se esquecer esse cara, surgirão outros. O processo será o mesmo. Same old song.
Se você der pra ele, vai deixar coisas que não quer deixar, vai fazer esforço em uma direção e depois vai se arrepender – assim como se arrependerá se não viver a paixão.
Se tentar ir por disciplina e repressão, vai se segurar o resto da vida, com um certo amargor. Por outro lado, se você se soltar totalmente, vai fazer outros sofrer e gerar constante tensão interna.
Essa constante insatisfação é nosso grande problema. Quando você perceber isso 100% com mente e corpo, quando entender que não temos saída alguma tentando acertar dentro desse processo cíclico, indico um site e 5 livros:

Centros de meditação sob orientação do Lama Padma Samten: São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre, Recife, Salvador, Florianópolis, Joinville, Campinas, Niterói, Curitiba… Procure o centro mais próximo e experimente sentar em silêncio.
Desejo que você supere isso tudo direto na raiz, que é a mesma para todos nós: você, seu marido, os dois caras, eu, minha namorada…
Sem as aflições, tanto faz com quem esteja. Solteira, casada, divorciada, com um, com dois, com três, sem ninguém, só com amigas, sozinha, não importa. Sem as aflições, não há um caminho melhor que o outro. Você será feliz e fará outros felizes em qualquer condição.
Enfim, o que eu desejo é que você seja feliz e possa ter a habilidade de fazer os outros felizes, seja seu marido, amante, ex-marido, ex-mulher, filho, filha, prima, primo, ficante, casinho, amigo, chefe, prostituta, avó, uma desconhecida ou o mendigo que você ignorou hoje pela manhã.
Um abraço,
Nome-da-pessoa-que-se-acha-o-conselheiro-amoroso-guru-dos-relacionamentos”
GUSTAVO
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