por Tággidi Ribeiro
O projeto de lei 60/99, que determina atendimento multidisciplinar e imediato às vítimas de violência sexual, foi aprovado recentemente pela câmara dos deputados. Está à espera, agora, do nosso senado. Se esta casa também o aprovar, todos os hospitais públicos do país (ou conveniados ao SUS) serão obrigados a atender vítimas de violência sexual em suas especificidades: profilaxia para a gravidez e aids, atendimento psicológico, diagnóstico e tratamento de áreas lesionadas e preservação de material que possa configurar prova da agressão, além de encaminhamento à delegacia (especializada, se houver).
Obviamente, esperamos que esse projeto seja aprovado e se torne realidade em nossos hospitais. Mas enquanto isso não acontece (sem contar que pode mesmo nem chegar a acontecer), o que podemos fazer caso sejamos vítimas de estupro?
Beber não é crime. Estupro é. |
Em primeiro lugar, precisamos esclarecer que crime é esse. Estupro, para o senso comum, é o ato sexual com penetração praticado mediante violência física. Já para o direito penal brasileiro, o crime de estupro tem duas tipificações: 1) estupro: forçar alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso; 2) estupro de vulnerável: ter conjunção carnal ou praticar ato libidinoso com menor de 14 anos ou com alguém que, por qualquer motivo, não tenha o necessário discernimento para a prática ou não possa oferecer resistência.
Dadas essas definições, precisamos atentar para duas coisas: 1) estupro não é só ato sexual com penetração; 2) a diferença entre os dois tipos é que, no primeiro caso, a vítima é/está consciente e autônoma; no segundo, ela não é/está autônoma e/ou consciente. Considera-se, aqui, a capacidade de tomada de decisão, de consentir ou não o ato sexual, e a chance de resistência por parte da vítima, caso não o consinta. Para exemplificar: se nosso chefe nos coagiu a fazer sexo ameaçando-nos de difamação, ele cometeu estupro; se ele nos embriagou e nos deixou inconscientes, ele cometeu estupro de vulnerável.
Em qualquer situação, a primeira coisa a fazer é ter uma certeza: a culpa não foi nossa. Não foi a nossa saia, nem o decote, nem a bebedeira, nem o 'não' que 'deveríamos' ter gritado, mas não conseguimos. A culpa do estupro é do estuprador. Só dele - seja ele desconhecido ou amigo, namorado, marido, pai. Digo isso porque é dessa certeza que vamos precisar para denunciar o criminoso (saiba como) e também para responder às desconfianças e mesmo acusações que deverão recair sobre nós. Se houver como, se nos sentirmos fortes para isso, se nos lembrarmos... podemos guardar provas, materiais ou não: tirar fotos, fazer vídeos, gravar a fala, guardar alguma característica peculiar do estuprador (caso seja desconhecido), placa de carro ou mesmo pelos que porventura fiquem em nós, para exame de DNA. É imprescindível ir ao hospital o mais rápido possível - nada de tomar banho, mesmo que queiramos mais que tudo: é imprescindível fazer profilaxia anti-HIV e da gravidez e isso é mais importante que tentar preservar provas, como a presença de sêmen ou lesões corporais.
Enfrentar o mundo: a dor, a culpa, a decisão, o hospital, a possibilidade de ficar grávida ou de contrair qualquer DST, o medo, a delegacia, o possível despreparo dos profissionais - vamos precisar de suporte. Não podemos ter vergonha (a culpa não é nossa!) de contar e pedir ajuda aos nossos pais e amigos, porque estaremos apenas começando.
Pais, parentes e amigos de prováveis vítimas de estupro (que somos todas nós, mulheres de qualquer idade, cis e trans): o próximo post vai falar de vocês.
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