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por Barbara Falleiros

Há alguns dias, na Turquia, uma cabeça humana foi arremessada no meio da praça de um vilarejo da província de Isparta. Pouco tempo antes, uma mulher de 26 anos, já mãe de duas crianças e então grávida de 5 meses, entrara na justiça com um pedido de aborto tardio. Ela revelara que o bebê era fruto de meses de violência e chantagem: seu agressor - um conhecido - aproveitara-se da ausência de seu marido, tirara fotos dela nua e ameaçara enviá-las à sua família, obrigando-a a manter relações sexuais com ele. Ele também ameaçara matar seus filhos. 

Yalvac na Turquia
Chega de violência contra as mulheres
As estatísticas da violência contra as mulheres na Turquia são preocupantes. Cerca de 42% das mulheres maiores de 15 anos (a porcentagem sobe para 47% nas zonas rurais) sofreram em algum momento da vida violência física ou sexual da parte de seu esposo ou companheiro, segundo a ONG Human Rights Watch (dados de 2009). Em 2004, a Anistia Internacional  já publicara um relatório sobre a situação das mulheres vítimas de violência no país, especificamente no âmbito familiar. Estimava-se então que entre um terço e a metade das mulheres turcas sofriam violência física em casa: eram espancadas, violentadas, assassinadas ou levadas a se suicidarem.  Em 2002, dois irmãos de 16 e 23 anos assassinaram a própria irmã, divorciada, porque ela chegava tarde em casa: "Nós lavamos nossa honra e não nos arrependemos de nada". Em 2009, uma jovem de 14 anos foi sequestrada a caminho do supermercado e violentada durante 4 dias. Ela conseguiu escapar. Sua família, porém, considerando que o que acontecera sujara a honra de todos, decidiu matá-la: ela foi estrangulada pelo pai. Em 2010, no sudeste do país, uma jovem de 16 anos, suspeita de "frequentar homens", foi enterrada viva pela sua família. Este tipo de violência familiar, diga-se de passagem, não atinge somente mulheres: há somente 3 dias, um adolescente foi assassinado com 14 tiros pelo pai e pelo tio, que suspeitavam da sua homossexualidade.

 ("A mão que bate também acalma. Um tapa ou dois não é motivo para fugir." - Die Fremde, 2010)
 
A honra. O que implica esta noção e como ela participa dos mecanismos da violência? Ninguém tem dúvidas quanto à extrema complexidade do tema, mas tentarei retomar aqui - bem modestamente - algumas ideias de Pinar Selek, uma socióloga e militante feminista turca (exilada). Estudando a construção da masculinidade na Turquia e o papel do sistema militarista na construção dos gêneros, ela mostrou como o Estado, através do exército, instrumentaliza o termo "honra" associando-o ao patriotismo. "O homem aprende a combater no serviço militar, não somente contra o inimigo, para salvar a honra do Estado, mas também contra todos que ameaçam a sua honra masculina e a de seu pequeno reinado: a família". Com as mudanças sociais, sobretudo com o movimento de liberação das mulheres, "os homens que temem perder seu status, os que se sentem fracos, tentam recuperar sua honra masculina através da violência que aprenderam desde a infância e que sistematizaram no serviço militar. (...) As estatísticas nos dizem que a maior parte das mulheres assassinadas por homens são aquelas que tinham largado estes homens ou estavam prestes a fazê-lo".

Nevin Yildirim, grávida de seu agressor
Mas voltemos a Yalvac e à cabeça exibida em praça pública como símbolo da honra vingada. Se tantos homens no país assassinam as mulheres vítimas de violência, fazendo recair sobre elas a responsabilidade pela desonra, neste caso, com uma facada na barriga, dez tiros (a maior parte nos genitais) e uma cabeça decepada, eis que a vítima se transformou em heroína tarantinesca... A jovem Nevin Yildirim, após assassinar seu agressor Nurettin Gider, disse:

"Aqui está a cabeça daquele que colocou em jogo a minha honra. Agora ninguém mais poderá fazê-lo. Eu lavei minha honra. As pessoas falarão dos meus filhos como os filhos de uma mulher que lavou sua honra."

A dimensão do gesto de Nevin Yildirim só pode ser entendida dentro do contexto dos crimes de honra praticados no país.  É claro que seu ato, tomado objetivamente ou isoladamente, reúne uma série de elementos de horror. Mas  não o vejo como sendo simplesmente um extremo ato de desespero. A honra é uma construção social determinada pelas relações de poder. Ao assassinar seu agressor, Nevin agiu de acordo com o mesmo código de violência, mas ela reverteu, no entanto, esta relação de poder. O inesperado, aqui, não é defesa da honra, mas a defesa da honra feminina da parte de uma mulher agredida.

Nevin Yildirim está atualmente presa. Diz-se que seu caso reacendeu os debates em torno do aborto (autorizado no país até 10 semanas de gravidez). Pelo que li até agora, a justiça ainda não se pronunciou quanto ao seu pedido de aborto fora do período permitido. Vale lembrar que o primeiro-ministro turco Recep Tayip Erdogan considera o aborto um assassinato. Este mesmo primeiro-ministro disse, em 2010, não acreditar na igualdade entre homens e mulheres.

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